Histórias de Professor (2)

Isso aconteceu com uma professora que me permito o direito de não divulgar seu nome, assim como não usarei os nomes de qualquer envolvido.

A professora dava aula numa escola afastada do centro e esquecida pelo mundo. As crianças eram muito carentes, em tudo. Muitos não tinham o que comer e se alimentavam na escola. Não gostavam de feriados, pois não comeriam naquele dia. Muitos tomavam banho na escola. E adoravam, pois era a oportunidade de se sentirem melhor. Eram bem tratados lá. Aliás, laços de afetividade só conheciam na escola. Claro que havia conflito, pois alguns eram verdadeiros reflexos do que viam em casa. Mas acabavam por se deixarem levar pelo amor que recebiam. Todos do colégio trabalhavam por essa missão: torná-los um pouco dignos.
A professora teve também essa missão. E recebeu em sua classe a nata. Havia três irmãs que estudavam nessa classe. Carentes, como a maioria. Sofridas e rotuladas pela sociedade. Morava com a mãe, alcoólatra. Jovem, mas judiada pelo que plantou. Não tinham pai, mas um padrasto. Ganhava algum dinheiro, mas compartilhava com sua outra família em alguma cidade do Nordeste brasileiro. Na casa, nada de cama, nada de televisão, comida, banheiro, água limpa, energia elétrica. Possuíam algumas roupas de doações. Comiam o resto da feira. Conviviam com as brigas entre o casal, com a violência debaixo de seus olhos. Não brincavam, pois tinham os deveres domésticos. Não amavam, pois não eram amadas. Na escola foi oportunizado o conhecimento do carinho. Queriam, da maneira que podiam, retribuir o amor de sua professora.
Todos os alunos tinham lição de casa, inclusive elas. Evidente que se não levassem a tarefa no dia seguinte a professora não cobraria. O que fazer? Tinham argumentos de sobra para não cumprirem com mais essa obrigação. A desculpa, que era verdade, já estava pronta. Contudo, as meninas preferiam entregar tudo feito. Sentavam-se no chão da sala, e não preciso elucidar em que condições, acender um lampião que havia na casa e retribuírem o amor de sua professora. Faziam por prazer. Sabiam que a professora ficaria feliz. E sobretudo, sabiam que estavam sendo dignas, mostrando serem capazes de superar as adversidades que a vida impôs. Aprendiam, com uma só atividade, a lição da escola e a lição da vida.
Costumamos mandar tarefas para os alunos e eles não realizam. Desculpas são diversas: meu tio morreu, minha mãe não sabe, viajei, passeei com meus pais, veio visita em casa, meu primo pequeno rasgou a folha, não deu, e o famigerado esqueci… Nunca ouvi desculpas como não comi hoje, não tomei banho, meus pais brigaram muito, não tinha luz em casa…
O que falta é compromisso. No caso das três irmãs, a família não era capaz de cobrar. Foi a professora, referência de mãe para elas, que o fez. Muitos alunos não precisam ter seu professor como referência de pai. Contam com pais em condições de exercerem suas funções. Contam com uma vida digna. Mas esses pais não cobram e como seus pais são os exemplos, não assumem suas responsabilidades também. Os próprios pais acabam comparecendo à escola para darem a desculpa pelo filho…

Desculpem pais, mas depois do exemplo dessas três irmãs, não aceito nenhuma desculpa!

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Reflexão

"Se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um com um pão, e, ao se encontrarem, trocarem os pães, cada um vai embora com um.
Se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um com uma ideia, e, ao se encontrarem, trocarem as ideias, cada um vai embora com duas." - Provérbio Chinês

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